quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Interpretação da Legislação: E ou OU?

Paulo Werneck

Quem não está acostumado com a interpretação da legislação, muitas vezes fica sem entender o que deve ou não fazer. Neste texto analisaremos, por meio de exemplos, uma dúvida corriqueira, se determinados casos devem ser entendidos cumulativamente ("E") ou alternativamente ("ou").
O primeiro trecho legal refere-se à dispensa da prestação de garantia prevista no § 3º do artigo 8º da Instrução Normativa SRF nº 285, de 14 de janeiro de 2003:
§ 3º Não será exigida garantia:
I - nas hipóteses estabelecidas nos arts. 4º e 5º;
II - quando se tratar de importação realizada por:
a) órgão ou entidade da administração pública direta, autárquica ou fundacional, da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios; ou
b) missão diplomática, repartição consular de caráter permanente ou representação de organismo internacional de que o Brasil seja membro; ou
III - quando o montante dos impostos que deixarem de ser pagos for inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

Imaginemos uma admissão temporária com suspensão total de tributos (artigos 4º ou 5º), feita por empresa privada e cujos tributos suspensos ultrapassem os referidos vinte mil reais: deve prestar garantia? Essa hipótese atende ao inciso I, mas não atende ao inciso II nem ao III.
Se fossem condições cumulativas, teria que cumprir todas, ou seja, bastava o não atendimento de uma para ter de prestar a garantia, mas não é, são condições alternativas, o que pode ser verificado pela presença do "ou" no final da alínea b do inciso II, que demonstra claramente que tratam-se de alternativas exclusivas. Assim, basta o cumprimento de uma para haver a dispensa, de modo que a garantia não deve ser prestada no caso em tela.
Outra maneira de verificar que se tratam de itens alternativos é a existência de hipóteses conflitantes.


Vejamos agora a relação de documentos a serem apresentados pelo importador no caso de admissão temporária com pagamento proporcional de tributos, relacionados no § 3º do artigo 9º da mesma normativa:

§ 3º A solicitação do regime será instruída com:
I - o TR, na forma do art. 7º; e
II - cópia do contrato de arrendamento operacional, de aluguel, de empréstimo ou de prestação de serviços, conforme o caso, nas hipóteses de que tratam o inciso I do § 1º e o § 2º deste artigo.
A presença da conjunção "e", no final do inciso I, indica que o interessado deve apresentar tanto o Termo de Responsabilidade, como um dos documentos elencados no inciso II. A expressão "conforme o caso" mostra que a lista do segundo inciso é alternativa, apenas um dos documentos ali listados deve ser apresentado. Aliás, não poderia ser diferente, pois os contratos listados são incompatíveis entre si.


Para terminar, outro exemplo, extraído do Ato Declaratório Executivo Coana nº 3, de 1º de junho de 2006:

Art. 7º O requerimento de habilitação pleiteado por pessoa física será instruído, exclusivamente, com os seguintes documentos:
I - cópia do documento de identificação;
II - instrumento de mandato do representante e cópia de seu documento de identificação, quando for o caso;
III - nota fiscal de produtor rural, quando for o caso; e
IV - cópia da carteira de artesão, quando for o caso.
Aparentemente todos os documentos devem ser apresentados, em face da presença do "e" no final do inciso II, mas não é verdade, uma vez que a expressão "quando for o caso" ocorre em diversos incisos, indicando que o documento indicado só deverá ser exigido em certos casos. Assim uma pessoa física sem despachante só apresentará a cópia da identidade. Já um artesão com despachante deverá apresentar os documentos indicados por I, II e IV.


Na verdade é tudo mais simples do que pode parecer: o texto legal precisa apenas ser lido com atenção e bom senso.

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