quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Perdimento de Mercadorias: O Papel da Aduana

Paulo Werneck


Apresentarei um caso paradigmático, enviado por um leitor, e responderei às perguntas que ele formulou, após uma breve e necessária introdução.
Este autor, Auditor Fiscal, não se furta a abordar temas polêmicos, tendo registrado na coluna da direita, sob o título "Reserva Legal", que as opiniões aqui expressas são apenas suas opiniões.
Um leitor, ao discutir uma questão na Aduana, com outro fiscal, deve ter claro que o outro fiscal não é obrigado a esposar o mesmo entendimento que este autor, responsável que somos, cada um, pelo que decidimos dentro das nossas atribuições, decisões essas das quais inclusive pode caber recurso.
No sentido inverso, este autor, ao exercer suas atribuições como fiscal, também segue seu próprio entendimento, sem ser obrigado a acatar o entendimento de colegas, por mais graduados que sejam.
Ademais, ao discutir o caso em tela, estamos discutindo um caso hipotético, mesmo que inspirado num caso real. Isto posto, avante.


O caso
Fulano comprou algo no estrangeiro pela Internet, recebeu a mercadoria pelos Correios, tendo pago o imposto devido, calculado pela aplicação do Regime de Tributação Simplificada. Usou a mercadoria durante algum tempo e depois vendeu-a a Sicrano, no mercado nacional, enviando-a também pelos Correios. A fiscalização aduaneira encontrou o bem em trânsito postal, verificou tratar-se de mercadoria de origem estrangeira, sem prova do pagamento dos tributos aduaneiros, e a apreendeu para aplicação da pena de perdimento. Fulano enviou então os comprovantes da importação para a Aduana e está aguardando uma decisão.


As perguntas
1. Cabe apreensão neste caso?
O artigo 618 do Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 4.543/2002) estabelece diversos casos de aplicação da pena de perdimento de mercadoria de origem estrangeira, entre os quais se em circulação comercial no País e não for feita prova de sua importação regular; ou se desembaraçada mas cujos tributos aduaneiros tenham sido pagos apenas em parte, mediante artifício doloso.
Como a mercadoria está em circulação comercial sem a prova da importação regular, pode ser apreendida.


2. Os comprovantes apresentados obrigam a fiscalização a liberar a mercadoria?
A Aduana é um órgão republicano e sua ação é definida e limitada pela lei. Ela não pode agir como o Sheriff de Nothingham, na história do Robin Hood, que extorquia o dinheiro dos pobres lavradores.
Mas também não pode ser boazinha e crédula, que aceita qualquer explicação e qualquer pedaço de papel! Se assim proceder, estará facilitando a ação dos contrabandistas e sonegadores.
Se os comprovantes forem idôneos, verdadeiros, deverão ser acatados e a mercadoria liberada, mas se não o forem, deverão ser recusados.


3. O valor declarado ser menor do que o valor pago é preponderante nessa situação?
Não. O valor da operação interna deveria "teoricamente" equivaler ao preço da mercadoria importada, acrescido dos tributos pagos na importação e do lucro do vendedor, descontados o desgaste e a desvalorização do produto, acelerada na área de informática. Depende também da habilidade do vendedor e do comprador, das necessidades de cada um.


4. Tendo a Receita Federal cobrado os impostos sobre o valor declarado quando da importação, tem ela o direito de questionar o valor então declarado?
Sim, o que seria até bem provável se o preço de venda interno for muito superior ao de aquisição no estrangeiro, podendo eventualmente apontar para um subfaturamento da importação.


Observações Finais
Isso tudo pode parecer um grande absurdo e eu tenderia a concordar, mas não podemos nos esquecer dos recentes avanços da informática e a logística, permitindo compra e venda pela Internet e transporte de mercadorias a custos baixos.
Tenho 54 anos lembro de quando pesava as cartas que enviava para minha avó em Portugal, pois uma folha a mais, mesmo finíssima, poderia fazer muita diferença. Hoje isso é passado, mas a legislação aduaneira básica ainda é de 1966! Que deputados e senadores a atualizem.

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