sexta-feira, 20 de junho de 2008

Arrendamento, Admissão Temporária e Repetro

Paulo Werneck


Existem diversas formas pelas quais uma pessoa pode ceder a posse de um bem a outra pessoa, gratuita ou onerosamente, entre elas: comodato, empréstimo, arrendamento mercantil, arrendamento comercial.
No entanto, tanto a legislação do Repetro (IN 844/2008, art. 2º, § 2º, IV), como da Admissão Temporária (IN 285/2003, art. 3º) excluem a aplicação dos respectivos regimes ao bens objeto de arrendamento mercantil, com base no artigo 17 da Lei nº 6.099/1974, conquanto aceitem o arrendamento comercial.

Conceitos
O "Dicionário Houaiss da língua portuguesa" relaciona o termo à cessão de bem imóvel por prazo determinado, o que seria o mesmo que aluguel ou locação.
O "Dicionário de Termos Financeiros", de Luiz Fernando Rudge, acrescenta o termo mercantil, o relaciona ao leasing, e o subdivide em duas modalidades, "arrendamento mercantil financeiro" e "arrendamento mercantil operacional", ambos oferecendo opção de compra.
Legalmente, o arrendamento mercantil está definido como "o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta" (Lei 6.099/1974, art. 1º, § único).
Além disso o contrato de arrendamento mercantil deverá prever 1) prazo de duração; 2) valor de cada contraprestação por períodos determinados, não superiores a um semestre; 3) opção de compra ou renovação de contrato, como faculdade do arrendatário; e 4) preço para opção de compra ou critério para sua fixação, quando for estipulada essa cláusula.

Financeiro x Operacional
O Banco Central, por sua vez, definiu duas modalidades de arrendamento, financeiro e operacional (Regulamento aprovado pela Resolução BCB nº 2.309/1996, arts. 5º e 6º).
Assim, arrendamento mercantil financeiro seria a modalidade em que: 1) as contraprestações e demais pagamentos previstos no contrato, devidos pela arrendatária, sejam normalmente suficientes para que a arrendadora recupere o custo do bem arrendado durante o prazo contratual da operação e, adicionalmente, obtenha um retorno sobre os recursos investidos; 2) as despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos à operacionalidade do bem arrendado sejam de responsabilidade da arrendatária; e 3) o preço para o exercício da opção de compra seja livremente pactuado, podendo ser, inclusive, o valor de mercado do bem arrendado.
Já no arrendamento mercantil operacional: 1) as contraprestações a serem pagas pela arrendatária contemplam o custo de arrendamento do bem e os serviços inerentes à sua colocação à disposição da arrendatária, não podendo o total dos pagamentos da espécie ultrapassar 75% (setenta e cinco por cento) do custo do bem arrendado; 2) as despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos à operacionalidade do bem arrendado são de responsabilidade da arrendadora ou da arrendatária; e 3) o preço para o exercício da opção de compra é o valor de mercado do bem arrendado.
Apesar de em ambas as opções estar prevista uma opção de compra do bem, ou seja, o arrendatário ter a faculdade, mas não a obrigação, de comprá-lo, pagando um valor residual, bem maior no caso do arrendamento operacional, a propriedade do bem permanece com o arrendador até o eventual exercício dessa opção, ou seja, pelo menos até o fim do contrato.

Contradições
Isto posto, como entender e interpretar as contradições existentes entre a lei e as normativas da Receita Federal?
O artigo 17 da Lei nº 6.099/1974 determina que "a entrada no território nacional dos bens objeto de arrendamento mercantil, contratado com entidades arrendadoras domiciliadas no exterior, não se confunde com o regime de admissão temporária de que trata o Decreto-lei nº 37, de 18 de novembro de 1966, e se sujeitará a todas as normas legais que regem a importação", não discriminando entre as modalidades financeira e operacional.
Relevemos a fraca e dúbia redação do citado artigo: a entrada de qualquer bem no país nunca poderá se confundir com o regime aduaneiro a que será submetido. No entanto, como os artigos de uma lei não podem ser ociosos, a intenção dada ao artigo seria vedar a aplicação do regime de Admissão Temporária aos bens objeto de contrato de arrendamento mercantil, direcionando-os obrigatoriamente para o despacho para consumo.
Mas a legislação Aduaneira admite os bens objeto de arrendamento operacional, ou seja, da modalidade operacional do arrendamento mercantil, conquanto exclua os bens objeto de arrendamento mercantil, o que é uma contradição, embora não óbvia, restando a proibição apenas para os bens objeto de arrendamento mercantil financeiro.
Qual a diferença entre as duas modalidades? De acordo com o Banco Central, reside basicamente no valor do contrato, que na modalidade financeira supera o custo do bem, enquanto na operacional deverá ser inferior a 75% do custo. Essa diferença se reflete no valor pelo qual o arrendatário poderá exercer sua opção de compra. Na modalidade financeira, o custo estará totalmente pago, e o valor será residual; na operacional, o preço refletirá o valor de mercado da coisa.
Apesar de, em ambas as modalidades, a compra e venda ser opcional e depender exclusivamente da vontade do arrendatário, poder-se-ia considerar que no arrendamento financeiro o preço já estaria praticamente pago e o arrendamento aproximar-se-ia mais de um contrato de compra e venda, enquanto no arrendamento operacional a semelhança maior seria com um contrato de locação, o que explicaria o tratamento diferente dado a cada modalidade, apesar do estabelecido pela Lei nº 6.099/1974.

Aspectos Práticos
Na importação de bens objeto de arrendamento mercantil financeiro, estes deverão ser despachados para consumo e, não exercendo o arrendatário a sua opção de compra, deverá devolvê-los ao proprietário por meio de despacho de exportação comum, mas, se exercê-la, nada mais precisará fazer do ponto de vista aduaneiro, pois os bens já estarão nacionalizados.
Já importação de bens objeto de arrendamento mercantil operacional, estes deverão ser submetidos a uma das modalidades de admissão temporária ou Repetro, conforme o caso, e, não exercendo o arrendatário a sua opção de compra, deverá devolvê-los ao proprietário por meio de despacho de reexportação. No entanto, se preferir exercer a opção de compra, então deverá despachá-lo para consumo, encerrando portanto a admissão temporária.

Base Legal
Lei nº 6.099, de 12 de setembro de 1974. Dispõe sobre o tratamento tributário das operações de arrendamento mercantil e dá outras providências. Disponível em www.presidencia.gov.br > Legislação > Leis > Leis Ordinárias.
Instrução Normativa SRF nº 285, de 14 de janeiro de 2003. Dispõe sobre a aplicação do regime aduaneiro especial de admissão temporária. Disponível em www.mercadores.com.br > Legislação > Admissão Temporária.
Instrução Normativa RFB nº 844, de 9 de maio de 2008. Dispõe sobre a aplicação do regime aduaneiro especial de exportação e importação de bens destinados às atividades de pesquisa e de lavra das jazidas de petróleo e de gás natural (Repetro). Disponível em www.mercadores.com.br > Legislação > Repetro.
Resolução BCB nº 2.309, de 1996. Disciplina e consolida as normas relativas às operações de arrendamento mercantil. Disponível em www.bcb.gov.br.

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