sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Se colar colou?

Paulo Werneck
Fonte: http://www.iwatchstuff.com/2008/05/blackbeard-pirate-movie-will-p.php

Venho somente hoje desabafar algo que estava atravessado na minha garganta, o Decreto nº 7.567/2011, que aumentou a alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis importados e a reduziu para os fabricados neste país.

O primeiro problema, já sanado pelo Supremo, refere-se ao aumento imediato da tributação, usando a velha fórmula "Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação".

Esse imediatismo das legislações é contrário ao bom senso, pois não permite a ninguém se preparar para obedecer ao mandamento legal. Uma loja que abra às oito da manhã não tem como já ter lido, entendido e alterado os programas de emissão de nota fiscal, por exemplo, e portanto é forçada pela situação a descomprir a lei do país.

Esse caso concreto é pior, pois o açodamento do decreto viola a Constituição Brasileira:
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
...
IV - produtos industrializados;
...
§ 1º - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.
...

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
...
III - cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
...
VI - instituir impostos sobre:
...
§ 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

Se o artigo 153, § 1º permite à União alterar as alíquotas do IPI por decreto, o artigo 150, III, c impôe a denominada "anterioridade nonagesimal", que exige o decurso de 90 dias após a publicação do ato antes que o aumento possa ter vigência. Esse o motivo da União ter perdido a batalha na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4661.

Infelizmente a norma apresentou outro defeito, tão ou mais grave que o anterior: violou tratado internacional, o Acordo Geral Sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio, o famoso GATT, aprovado pela Lei nº 313, de 30 julho de 1948.

Artigo III - Tratamento Nacional em Matéria de Impostos e de Regulamentação Internos

1. Os produtos de qualquer Parte Contratante importados no território de outra Parte Contratante serão isentos da parte dos tributos e outras imposições internas de qualquer natureza que excedam aos aplicados, direta ou indiretamente, a produtos similares de origem nacional. Além disto, nos casos em que não houver no território importador produção substancial de produto similar de origem nacional, nenhuma Parte Contratante aplicará tributos internos novos ou mais elevados sobre os produtos de outras Partes Contratantes com o fim de conceder proteção à produção de produtos, diretamente competidores ou substitutos, não taxados de maneira semelhante; os tributos internos dessa natureza, existentes, serão objeto de negociação para a sua redução ou eliminação.
Esse tratado determina que não podemos tributar internamente de modo mais gravoso o produto importado.

Certamente perderemos na OMC qualquer reclamação que for formulada em relação a essa questão.

Talvez não ocorra nenhum dano imediato, pois antes que a Corte julgue o caso, o Brasil retira o decreto e o deixa morrer. Mas o dano moral é certo, isso macula a posição brasileira, sempre modelar.

Fica a pergunta: o Ministério da Fazenda não conta com nenhum assessor que conheça a Constituição e os Tratados, ou foi um decreto na base do se colar colou, como tantos estabelecimentos inidôneos utilizam ao inserir despesas fictícias nas contas?

Vergonha.

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